quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Nada

Não importa muito o lugar, nem como você chegou lá, muito menos por que está nele. Simplesmente está lá, a festa acontece dentro da casa, enquanto você está sentado do lado de fora olhando para o céu, para a rua, para o mendigo mexendo nas latas de lixo, para arvores, para o nada. Se alguém lhe perguntar o que olha, você responderá assustado “O que?” Se essa pessoa existir ela te tirou de um longo período de ausência para responder uma pergunta imbecil como “o que você olha?” Claro que você não conseguirá responder, porque olhava tudo, mas não via nada e sequer tinha consciência disso. Em algum momento um alguém aparecerá e te chamará atenção por que faz exatamente as mesmas coisas que você, foge da confusão da festa, veio com a desculpa de “pegar um ar”, olha em volta com um olhar mais perdido que o teu, obviamente, não te vê, senta em um lugar qualquer e olha para o nada. Você não quer atrapalha-la com uma pergunta imbecil. Permanece olhando-a, em pouco tempo para de olhá-la para admirá-la, seu cabelo, seu corpo, o perfil de seu rosto, como a roupa que usa lhe cai bem, sua postura. Toda tua atenção se concentra nela, admirá-la, ouvir o silêncio que a envolve, sentir o cheiro de seu perfume. Essa pessoa não era mais um alguém qualquer, sem importância e inexistente, como a maioria das pessoas que vieram até aqui, ou que passaram na rua, ou que passaram por tua vida. No momento ela é a única coisa que existe para você. Você levanta-se, faz, propositalmente, um pouco de barulho para não assustá-la e senta-se ao lado dela. Não diz nenhuma palavra, tampouco se senta muito perto, nem lhe dirige o olhar. Ela te olha, um olhar de reconhecimento, e volta a olhar para o nada. Os dois em silêncio, por uma breve eternidade, o silêncio. Você ri, aqueles pequenos risos de canto de boca que acontecem quando se lembra de algo não muito engraçado ou irônico. O silêncio parece durar outra breve eternidade. Você se lembra de Mia dizendo a Vincent que você sabe quando encontra alguém especial se consegue ficar minutos sem dizer qualquer idiotice, apenas aproveitando confortavelmente o silêncio. Foi algo bom de se lembrar, a pessoa a teu lado já não é, somente, um alguém, agora ela é alguém especial. E isso era tudo que você queria.

- Você sabe quando encontra alguém especial se consegue ficar minutos sem dizer qualquer idiotice, apenas aproveitando confortavelmente o silêncio.

Você mal percebeu quando ela começou a falar, a voz baixa, calma e triste. A voz dela parecia mais a continuidade do silêncio. Seria como ouvir um trovão se ela tivesse falado de maneira diferente. Você ri de novo, sem ruído, um riso para ela ver que riu, e diz que pensara a mesma coisa, e chama-a de Mia, apenas para mostrar que você conhece essa fala e que você se lembrou dela. Vocês trocam olhares e ela te pergunta se agora não seria a hora que você deveria beijá-la. Era exatamente isso que você pensava, mas quando ela expôs tão naturalmente o teu pensamento, executá-lo tornou-se impossível e você desvia os teus olhos dos dela e volta a olhar o nada. Você percebe que ela sorri e também volta a olhar o nada. Ela te pergunta exatamente o que pensara em perguntar "Qual é a sua história?" e volta a te olhar. Você encontra a resposta no nada, a triste realidade que sempre soube, mas que escondia contando histórias ridículas de seu passado. Você a olha e diz que tua história é a mesma que a dela.

- Não tenho uma, sou apenas eu.