quinta-feira, 9 de outubro de 2008

6 km

Todos os dias pego o ônibus para ir ao trabalho, sempre no mesmo horário, mesmas pessoas, mesmo motorista, mesmo trocador. Todos nós cúmplices da rotina alheia, participantes anônimos da vida de cada passageiro. Normalmente faço a viagem dormindo. É mais rápido e ajuda a descansar um pouco. Nos últimos dias eu não dormi, fiquei pensando em coisas, qualquer coisa. Olho a paisagem, os carros, mas aquele olhar que não vê nada. Um pensar que não pensa nada, coisas que vêem de qualquer lugar e não vão a lugar algum. Um desses dias, por algum motivo qualquer, eu reparei em uma placa, dessas que marcam a distância, e nela tinha a distância daquele ponto até meu destino, 6 km. Nada demais, no momento eu só pensei que esses 6 km eram muito demorados. No outro dia, tudo igual e, de novo, eu reparo na placa. E isso acontece dia após dia, eu sempre olho para a placa, muitas vezes eu acordo no exato momento de vislumbrar o aviso, 6 km. Isso começou a me incomodar, sempre 6 km, meu destino a 6 km, todo dia, 6 km. Nunca mudava, ainda não mudou

quinta-feira, 10 de julho de 2008

NÃO (parte 1)

Não sou alto, nem baixo. Não estou em forma, não sou obeso, não sou gordo e nem sou magro. Não faço atividades físicas. Não pratico esportes. Não sou branco. Não sou negro. Meu cabelo não é curto, não é claro, não é liso, nem crespo. Não tenho olhos claros, nem castanhos, nem grandes, aliás não tenho orelhas, nariz ou boca grande. Definitivamente não sou o Lobo-Mau. Não sou mulher, nem homossexual. Não sou feio, tampouco chamo atenção. Não me considero novo, mas não sou velho. Não moro com meus pais. Não sou casado, não tenho noiva, nem namorada. Não divido apartamento com ninguém. Não ganho muito.. Não faço o que quero, nem o que gosto, não sei o que quero, não fiz o que gosto. Não aprendi a fazer coisas legais ou interessantes. Não tenho habilidades ou talentos...muito menos algum poder especial, portanto não sou um super-herói Não sou muito comunicativo. Não sou extrovertido. Não sou engraçado. Não sei contar piadas, não conheço muitas piadas. Não sou intelectual. Não sou melhor do que ninguém que conheço. Não sei fazer nada melhor que alguém que eu conheça. Não sou muito diferente de você. Não sou especial.
Defino-me assim, pelo não, é mais fácil. Tentar me definir pelo que sou levaria muito tempo, muitas palavras e muitos livros de auto-ajuda. E como não gastaria meu dinheiro comprando estes livros, não é possível dizer o que sou. Além do que o dinheiro seria muito melhor gasto com literatura.
Gosto de comprar livros, quando é possível vou a alguma livraria e leio o início dos livros que me chamam a atenção. Se o começo é bom eu compro, vez ou outra não chego à primeira página, decido pelo o epílogo.
Um bom epílogo: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Pena que não estou morto, se estivesse, plagiava o digníssimo autor.
Um bom começo: "Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa - e qual defesa seria mais legítima? - logrei ser absolvido por cinco votos contra dois e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris." E diz muito sobre o livro, é, digamos, essencial para compreender o livro, que o diga quem me apresentou-o.
O problema é que muito dos livros que li tem inícios decepcionantes. Na verdade já li muitos livros decepcionantes, mas quem não. Por mais que se evite, é um mal necessário.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

My Possible Pasts

Daqui eu olho para trás e vejo tudo que poderia ter sido. Cada pequena coisa que poderia ter acontecido, cada pedaço de passado abandonado em algum ponto da estrada. Também vejo as outras pessoas, outras pessoas que roubaram os meus passados, aqueles mesmos passados abandonados na estrada. Quando eu os vejo, assim tão completos e tão realizados na posse de outro, eu sinto raiva, sinto inveja, sinto fracasso. Aquele passado era meu, foi meu e poderia ser meu. Eu vejo meus passados realizados em outras pessoas e me pergunto se ainda posso usá-lo, recuperá-lo, comprá-lo, nem que seja incompleto e imaturo, um passado recém-nascido. No mesmo momento eu descubro a resposta, sempre soube a resposta, ele deixou de ser meu naquele momento em que o descartei, que o deixei sozinho em um lugar qualquer, para qualquer um que quisesse pegá-lo. Daqui eu me pergunto se eu roubo os passados dos outros, se também pego um passado qualquer abandonado exatamente no lugar que estou. Também me pergunto por que não descartamos o futuro ele é tão parecido com o passado. Dizem que o futuro está a nossa frente e o passado em nossas costas. Se eu virar de lado o futuro e passado viram comigo ou eu passo a encarar o passado?! Pergunta idiota, nunca ninguém vai respondê-la então é inútil questionar. De volta ao passado. Eu costumo modificar meu passado, cada que vez que faço isso eu me altero no presente, me transformo em alguém diferente, um atleta olímpico, um médico, um artista, um corredor de Fórmula 1. Todos esses presentes são filhos natimortos de um passado abandonado. Eu tenho minha lista de passados preferidos, são 12, estão alinhados em uma prateleira de nuvem, com três níveis, da direita para esquerda de cima para baixo por ordem de idade. Cada passado dessa prateleira tem uma prateleira para os passados possíveis que ele criaria se não fosse abandonado. Essas prateleiras estão em um quarto com 13 paredes d’água. E eu parei por aí se não criaria um ciclo infinito, mas principalmente porque é muito difícil criar passados. Eles não se importam mais comigo desde que eu os deixei em pedaços e envelhecidos pelas estradas. Me arrependo muito quando eu vejo tudo o que eles poderiam virar, mas eles serão para sempre apenas, e cada vez mais, passados possíveis.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Poema em Linha Recta

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”

Álvaro de Campos

segunda-feira, 19 de maio de 2008

sábado, 17 de maio de 2008

Ensaio sobre a Verdade

Sócrates expulsou os poetas do Estado em “A República”, não bastasse isso, jogou fora suas obras. Isso porque objetivo dos poetas era copiar a realidade, entretanto essa já era a cópia de algo e a cópia da cópia não é algo que sirva para ensinar valores. Nas poesias os Deuses eram mesquinhos, hipócritas, dissimuladores, invejosos e arrogantes, mas os Deuses são entidades sobre humanas, seres perfeitos, exemplos de virtude e bondade, obviamente, não poderiam ser como diziam os poetas. Portanto, além de mentir, os poetas se vangloriavam e se inspiravam pelo falso. Não é novidade que Sócrates nunca escrevera nada, suas idéias chegaram a nós via Platão. É irônico lembrar que alguns pesquisadores defenderam a idéia de que Sócrates não existira, foi apenas uma invenção de Platão para exemplificar suas idéias. Além disso, Platão nem sequer chamava-se Platão. Pesquisadores também questionaram a existência de Homero e de Shakespeare. Pessoas afirmam terem visto ou conhecido Hilda Furacão, e um leitor de Humberto Eco questiona-se, e questiona ao autor, como uma personagem, ao passar por uma rua, não vira o incêndio que destruíra uma casa.
Claro que temos um problema quando Sócrates diz que os Deuses não eram dissimulados. Com certeza desconsidera que a Europa só tem esse nome porque Zeus, transformado em boi, seduziu a jovem Europa. Mas, é possível que Europa não tivesse esse nome na época de Sócrates. Entretanto é fato que o Estreito de Gibraltar foi separado por Hércules, e Sócrates sabia disso. Dessa forma Ulisses em sua viagem de regresso a Ítaca, pode passar pelo Estreito e fundar a cidade de Oulissipo, atualmente conhecida como Lisboa. Quisera que os lisboetas recebessem um pouco da astúcia de Ulisses e não só o gosto por viagens e pelo mar. O Ulisses, não o de Tróia, o irlandês, de Dublin, também gostava de viagens, só que a dele durou apenas um dia e virou atração turística, a do Ulisses de Tróia, bom, é uma incógnita. Seria interessante se a viagem de Dante virasse atração turística, tenho certeza que as Igrejas monopolizariam esse mercado.
Suspender a descrença é essencial para aceitar que em óperas os segredos são cantados em alto e bom som e para todos ouvidos.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Insatisfação

Um psicológo americano, G.W. Titchener, da Universidade de Platzlos - Pennsylvania, EUA, desenvolveu uma pesquisa a respeito das ações mais comuns de pessoas insatisfeitas. Titchener atende os alunos através do Programa de Assistência Psicológica e Psiquiátrica da Universidade. Após analisar vários dados, separaou um corpus de 300 alunos/pacientes, seus e de outros clínicos, dos quais relacionou as ações mais comuns de pessoas que se dizem insatisfeitas consigo ou com suas vidas. 76% desses alunos citam, repetitivamente, situações que creêm terem sido melhores, principalmente a infância. Titchener defende a teoria que esse comportamento saudosista, reflete uma crença, inconsciente, de que os sofrimentos atuais são consequência de uma época de bonança, felicidade e despreocupação. "Inconscientemente, essas pessoas acreditam e, algumas vezes, buscam manter um equilíbrio entre prazeres e desprazeres. O problema encontra-se no período usado na comparação, poucas pessoas tem lembranças definidas da infância, isto provoca um desconhecimento de uma medida. Dessa forma, a quantidade de desprazeres nunca ficará igual à de prazeres."

O psicólogo quer aprofundar sua pesquisa com base em dados de uma descoberta de cientistas da Universidade de Bergen, Noruega, que identifica o estado do cérebro que antecede ao erro. Seu intuito é provar que o inconsciente dessas pessoas insatisfeitas provoca o cérebro a entrar em um modo de descanso forçado. Nesse modo o sangue flui mais para a parte do cérebro mais ativa em momentos de descanso. Esse estado inicia-se, aproximadamente, 30 segundos antes de se cometer um erro. Isso ocorre com todos nós, mas em uma pessoas insatisfeita, de acordo com Titchener, haverá um aumento drástico na quantidade de decisões equivocadas.